a mulher que há muitos anos crucificou minha vida,
por causa de quem meu marido se ajoelhou em soluços diante de mim:
"juro pelo Magnificai que ela me tentou até eu cair,
peço perdão, por alma de meu pai morto,
pelo Santíssimo Sacramento, foi só aquela vez, aquela vez só".
Coisas atrozes aconteceram.
Até tia Cininha, que morava longe,
deu de aparecer na volta do dia.
Conversávamos a portas fechadas,
ela com um ar no rosto que eu ainda não vira,
zangando pouco com o menino, deixando ele reinar.
Houve punhos fechados, observações científicas,
sobre a rapidez com que a brilhantina desaparecia do vidro,
sobre como pode um homem, num só dia,
trocar duas camisas limpas.
Irritação, impertinência,
uma juventude amaldiçoada tomando conta de tudo,
uma alegria – que chamei assim à falta de outro nome –
invadindo nossa casa com a sofreguidão das coisas do diabo.
Rezei de modo terrível.
O perdão tinha espasmos de cobra malferida
e não queria perdoar,
era proparoxítono, um perdão grifado,
que se avisava perdão.
"Olha, filha, aquela mulher que vai ali
não é digna do nosso cumprimento."
"'Porque, mãe, não é dí-gui-na?"
"Quando você crescer, entenderá."
Senhor eu não sou digno
que neste peito entreis,
mas vós, ó Deus benigno,
as faltas suprireis.
Na fila da comunhão cantamos, ambas.
A mulher velha e eu."
(Adélia Prado Poesia Reunida, São Paulo, Siciliano, 1991, p. 197):
Respondam para mim: tem como não amar Adélia Prado??? Só se não conhecer a sua obra, né?
Esse texto é um tapa na minha cara, admito que tenho muitas fraquezas e às vezes me esqueço que no final de tudo é entre nós e Deus... (Segundo a minha crença, claro!)
2 comentários:
Que texto MAARAAVIILHHOOSOOO!!
;)
olá!!! lindo texto!
super bjo, Deusa.
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